LIÇOES DE ARQUITETURA | HERMAN HERTZBERGER FORMA CONVIDATIVA

SÃO PEDRO, ROMA (741-752) A comparação de alguns momentos da história de São Pedro nos ajuda a esclarecer muito sobre a postura e as idéias dos arquitetos envolvidos, exatamente porque o prédio é um símbolo poderoso de hierarquia. Até mesmo quando a história é obscura a esse respeito, as próprias plantas, vistas como projeções das consciências dos arquitetos, são capazes de contar sua própria história sobre os pontos de vista e os sentimentos das pessoas que as projetaram.


Parece-me que a planta de Peruzzi, que estimulou essas considerações, é difícil de ser superada em riqueza. Como planta esquemática não de um diagrama, mas como passa arquétipo também poderia servir de base para muitas outras coisas, bem diferentes talvez de uma igreja. Consideremos, por exemplo, uma escola, onde as salas de aula poderiam ter seu próprio espaço separado nas torres, enquanto o espaço em sua totalidade oferece aos grupos a maior oportunidade imaginável para encontrar um lugar com as proporções, intimidade e ligação com os outros, requeridas nesta época particular. Quanto mais chegamos perto do centro, mais ele se torna aberto, o que dá mais espaço para a atividade comunitária.


A planta é organizada como uma sucessão de lugares, em domina o que cada um deles forma um centro em relação com os que estão em volta, mas em que nenhum espaço outro. Assim, o espaço no meio não tem de ser necessariamente o espaço principal, mas também pode ser visto como caminho para os centros situados ao seu redor. Esta planta é, portanto, um exemplo perfeito do princípio de igualdade expressado na organização espacial. Além disso, suas excepcionais qualidades espaciais fazem com que cada parte possa ser interpretada separadamente, embora essa interpretação venha a sofrer a influência das partes ao seu redor, e vice-versa, em virtude da organização aberta.


Por conseguinte, esta polivalência é, em princípio, anti-hierárquica: podemos ir mais além e dizer que é um modelo espacial de liberdade de opinião e de escolha, em que várias opiniões podem influenciar-se mutuamente, sem exercer domínio, em virtude da "transparência" do todo. Imaginemos o que poderia ter acontecido se essa planta tivesse sido desenvolvida e construída em vez da igreja que existe hoje, com seus relacionamentos unilaterais que já poderiam ter sido detectados no estágio de planejamento. As proporções, a articulação, a relação do fechamento com a penetração de espaços, consideradas em si mesmas nas suas relações recíprocas, a concavidade e a das paredes, as direções, as entradas e suas posições, tudo convexidade se combina para formar a organização espacial que determina se uma planta serve para promover a dominação ou a igualdade. 


Deste modo, as relações espaciais exercem influência sobre os relacionamentos entre as pessoas. Outra diferença igualmente vital entre as plantas de Bramante e Peruzzi, e a de Michelangelo, pode ser encontrada no princípio do acesso. A simetria consistente, assim como a composição das plantas de Peruzzi e Bramante, sugerem várias entradas por os lados, e a planta de Bramante propõe até mesmo doze entradas e saídas: a de Michelangelo tem apenas uma entrada, que, além disso, é acentuada mais à frente por uma colunata e degraus. Assim, embora seu interior ainda seja simétrico, a ênfase no exterior recai definitivamente sobre o lado com a entrada única. O fato de só podermos entrar e sair por um lado impõe sem dúvida uma direção ao interior, e faz com que seu centro de gravidade se desloque de tal modo que a forma simétrica acaba sendo desmentida pelo uso.


As muitas entradas de Bramante ajudam a estabelecer a independência e a igualdade dos vários espaços e também parecem estar dizendo que as pessoas são bem-vindas de todos os lados e direções.


Michelangelo alterou as proporções das unidades espaciais de tal modo que toda a igreja se tornou virtualmente um central. Se houver qualquer dúvida de que seu espaço objetivo, ao proceder assim, foi criar condições para que o foco de atenção conduzisse ao centro, a existência de uma única entrada principal é bastante para desfazer tal dúvida. 


Um lado se tornou de modo inequívoco a fachada, o que implica um fundo e os lados, e o eixo principal, que Maderno estenderia mais tarde com seu acréscimo à igreja, já se encontra indicado na planta de Michelangelo. Deste modo, a interpretação espacial da maneira de pensar centralizada e hierarquizada que sempre caracterizou a Igreja foi irreversivelmente introduzida na organização do edifício. 


Embora possa ser detectada certa resistência a essa hierarquia na tentativa um tanto forçada de Michelangelo de, pelo menos, dar o mesmo valor aos quatro lados interiores, Maderno parece não ter tido nenhum problema com isto. Seu acréscimo de uma nave formou de modo definitivo um eixo espacial principal, que focaliza a atenção no centro da planta de Michelangelo, seja qual for nosso lugar no edifício. Deste modo torna-se o centro e o ponto final da atenção. Agora todos conhecem seu lugar, a clareza e a ordem foram inexoravelmente estabelecidas na arquitetura, demonstrando desse modo sua subserviência ao poder.


"A praça, ou piazza, que Bernini mais tarde colocou inte da igreja, já concluída por Maderno, não é apenas uma lição de planejamento urbano mas também de contraponto. O espaço cercado pelas colunatas circulares, curvadas, forma um contraponto independente da igreja, por assim dizer. A independência da parte oval é realçada pelo fato de que não está diretamente ligada à igreja nem serve como uma espécie de portão para ela. Afinal, o antepátio trapezoidal que resulta das ligação dos braços laterais que recuam está situado no meio. 


Este recuo certamente não torna a fachada da igreja mais imponente, como se diz às vezes numa tentativa de interpretar a planta de Bernini em termos do poder de perspectiva dos braços. No entanto, como a perspectiva é invertida, ela realmente aumenta a distância e, vista da igreja, promove a independência. Parece-me que o recuo dos braços não foi feito em nome da perspectiva, mas por causa da fachada de Maderno, que era extremamente ampla para o limitado espaço disponível, e por causa da necessidade de ligá-la ao espaço oval. Graças a Bernini, quaisquer que tenham sido os seus objetivos quanto à Igreja, o edificio da igreja foi relegado à distância, apesar de seu lugar de honra. As colunatas delimitam um espaço separado com uma forma própria. 


É o potencial de acomodação desse espaço colossal que teoricamente torna possível que a multidão se reúna em frente à igreja, ou que até mesmo vire as costas a ela. Embora a praça esteja situada no eixo principal da igreja, ela não a realça. Só o centro geográfico, assinalado pelo obelisco, e Bernini teve de levar em conta, está realmente que situado no eixo da igreja. No entanto, cada uma das metades da parte oval tem seu próprio centro geométrico; as duas fontes também servem como centros de gravidade, por assim dizer, apesar de suas posições na segmento do círculo do colunatas. espaço borda de cada oval cercado pelas colunatas.


Os centros das duas metades do espaço oval estão situados fora do eixo e é ali, em cada lado dessas duas metades - entre as fontes e as colunatas - que a sensação de estar dentro se torna mais forte. No entanto, devemos compreender também que a planta de Bernini está deslocada de seu contexto na situação atual, com um espaço escancarado à sua frente, em vez da intimidade da praça Rusticcuci, com sua atmosfera informal, defronte da parte oval. De outro modo, segundo as plantas de Bernini, a praça teria uma arquitetura final que a cercaria, o que não só aumentaria o seu isolamento como também resultaria em duas entradas principais de cada lado do eixo em vez de uma entrada sobre ele.


O contraponto verdadeiramente original de Bernini ensina como se pode controlar a violência. Ao desenvolver seu engenhoso conceito arquitetônico, ele também mostrou que possuía adiante a postura correta e o sentimento correto para levar e o que devem ter sido seus objetivos, de modo tão coerente que se torna fácil discerni-los também em suas partes. A colunata quádrupla, não apenas uma mera divisória, mas uma construção substancial em si mesma, forma uma fronteira visual que é suficiente para causar às duas metades da parte oval um efeito de fechamento. Olhando através desse espaço cercado, podemos ver as casas vizinhas, que se tornam uma presença constante. Assim, os dois mundos, ambos modulados de acordo com uma lógica própria, um de maneira informal, o outro composto de maneira inteiramente escultórica, se complementam através dos contrastes. Além disso, resulta na criação de belos espaços no intervalo. 


Só quando visto dos centros dos segmentos ovais, onde as quatro fileiras de colunas são, por assim dizer, 'conjugadas', é que o espaço perde seu efeito de fechamento e torna-se transparente. Será que Bernini fez tudo isto deliberadamente? Se o fez, qual é a importância? Afinal de contas, sua solução surpreendentemente original funciona, e isto é o que vale! Durante quase três séculos, continuou a existir uma espécie de equilíbrio arquitetônico entre a igreja e a praça Bernini, mesmo sem o braço final que de consolidaria seu contraponto à igreja e que seria mais difícil de romper. Naturalmente, aqueles que desejavam dar ainda maior expressão ao poder da Igreja sempre reivindicaram ela que fosse rompida, ao mesmo tempo em que a grade da rua também ajudava a promover esse rompimento. 


No entanto, foi Mussolini quem pessoalmente deu ordens em 1934 para demolir a 'Spina'! Foi assim que os arquitetos Piacentini e Spacarelli substituíram o célebre bairro pela lúgubre Via Della Consolazione. O fascismo e a Igreja chegaram a um acordo no campo do planejamento urbano, e é difícil imaginar uma expressão mais literal de suas intenções sociais. O eixo que se originou da entrada principal única de Michelangelo foi extrapolado e aumentado na escala da cidade. Isto colocou a igreja no campo visual, expressando assim sua dominação no contexto do planejamento urbano." [6]


A praça de Bernini não é apenas um contraponto magnífico à igreja, é também e em particular a primeira praça pública no mundo que não foi moldada pelos edifícios à sua volta. É, na verdade, um edifício em si, com as colunatas formando duas fachadas transparentes, ainda que vigorosas. Em vez de ser apenas um espaço residual, a própria praça é o foco de atenção, graças ao deslocamento de ênfase dos edifícios existentes para o espaço urbano entre eles.


É como se o arquiteto houvesse deliberadamente projetado a área oval entre as bordas irregulares dos arredores com a intenção de criar um espaço urbano independente e, com isso, dar certa forma e estatura também aos fragmentos residuais do espaço.


O contraste entre esta ampla forma elíptica, com seu gracioso desenho geométrico, e o tecido urbano historicamente desenvolvido em que foi inserido deve ter sido particularmente espetacular quando a praça foi construída, com seu obelisco e sua fonte, já que era o único lugar pavimentado e adequadamente drenado da cidade nessa época.


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